A rotação de culturas consiste em alternar no tempo o cultivo de diferentes espécies de plantas em uma mesma área, preferencialmente alternando as famílias botânicas.
Apesar de ser um desafio contemporâneo para todos os agricultores de hoje, a rotação de culturas na verdade é um sistema de produção muito antigo.
Os romanos, por exemplo, já relatavam que a produtividade dos cereais era maior quando cultivados após o tremoço ou a ervilhaca, há milhares de anos.
No Brasil, na década de 70 surgiu no Paraná um sistema de produção conservacionista chamado “Sistema Plantio Direto“, que além do revolvimento mínimo e a cobertura permanente do solo, tem a rotação de culturas como pilar fundamental para o sucesso do sistema.
Ignorando-se a Roma antiga para a conta não ficar ainda mais feia, só de 1970 para cá, já são praticamente 50 anos de resistência à adoção de sistemas de rotação de culturas pelos produtores rurais.
E os resultados desta resistência à adoção da rotação de culturas pelos agricultores são observados a cada safra: ocorrência de nematoides em praticamente todas as propriedades rurais, plantas daninhas de difícil controle químico ou até mesmo resistentes a herbicidas, novas doenças que surgem a cada safra, pragas que antes eram consideradas secundárias e que hoje são tratadas como principais, perda da eficiência de tecnologias, e o aumento dos gastos com fertilizantes industrializados, entre tantos outros.
Consequentemente, todos esses problemas decorrentes da ausência da rotação de culturas têm resultado no achatamento das margens de lucro para os produtores rurais.
Em algumas regiões do país, por exemplo, o arrendamento de propriedades rurais para a produção de grãos já não é mais economicamente viável, pois o custo de produção e o custo do arrendamento consomem praticamente toda a receita do arrendatário, ficando este apenas com os riscos da produção.
Diante disso, a pergunta mais relevante provavelmente seja:
Se a rotação de culturas é tão importante para o sucesso econômico da atividade agrícola, por que os produtores rurais possuem tanta resistência em adotá-la?
A resposta para essa pergunta não é simples, pois trata-se de uma questão complexa que envolve componentes culturais, tradições, decisões técnicas e decisões gerenciais.
Para compreender melhor esse problema (e como solucioná-lo), continue lendo este artigo, em que abordaremos os seguintes temas:
- Os diferentes sistemas de produção agrícola
- Os benefícios da rotação de culturas para o solo
- Os benefícios da rotação de culturas para o manejo fitossanitário
- Como fazer a rotação de culturas em sua propriedade rural
1. Os sistemas de produção agrícola
Um sistema de produção agrícola é um conjunto de sistemas de cultivos em uma propriedade rural, interligados por um processo de gestão.
Entre os sistemas de produção agrícola atualmente utilizados, vamos discutir neste artigo o sistema em monocultura, o sistema em sucessão de culturas e o sistema de rotação de culturas.
O sistema de monocultura é aquele em que uma única cultura agrícola é cultivada em uma área, ao longo das safras.
Durante muitos anos, esse foi o principal sistema de produção agrícola da região centro-oeste do Brasil, em que a semeadura tardia de cultivares de soja de ciclo médio a longo permitia apenas a realização de uma única safra.
Com a explosão da ferrugem asiática na safra 2003/2004, os produtores de soja foram obrigados a adotar medidas preventivas, como a escolha de cultivares de soja precoces ou super precoces e a antecipar a época de semeadura.
Estes dois fatores viabilizaram o cultivo de mais uma safra em um mesmo ano agrícola, mesmo em condições de sequeiro.
Imediatamente após a colheita da soja na safra de verão, os agricultores dos estados do centro-oeste brasileiro passaram então a cultivar o milho na safrinha, evoluindo de um sistema de monocultura para um sistema de sucessão de culturas.
O conceito de sistema de sucessão de culturas, portanto, está relacionado à repetição sazonal de uma sequência de duas espécies vegetais, em uma mesma área, por vários anos.
Por fim, a evolução natural do sistema de sucessão de culturas, visto atualmente em pouquíssimas propriedades rurais, é o sistema de rotação de culturas, caracterizado pela alternância de diferentes espécies vegetais, em uma mesma área, ao logo dos anos.
Obviamente, da monocultura para a rotação de culturas existe um gradiente de complexidade, do menos complexo para o mais complexo.
E essa maior complexidade resulta em maior necessidade de conhecimento técnico, pois além de dominar o manejo de várias culturas agrícolas (ao invés de uma só), é preciso pensar no que é melhor para o sistema de produção como um todo, o que não necessariamente será o melhor para cada cultura agrícola isoladamente.
Além do maior conhecimento técnico, a adoção de sistemas de rotação de culturas exige também uma mudança no modelo de gestão, pois a visão da propriedade rural e das atividades agrícolas passa a ser sistêmica, e os resultados precisam ser analisados a longo prazo, no decorrer de várias safras agrícolas, e não apenas no horizonte da safra atual.
2. Os benefícios da rotação de culturas para o solo
A diversidade de espécies de plantas ao longo dos anos proporcionada pela rotação de culturas pode proporcionar várias melhorias nos atributos químicos, físicos e biológicos do solo.
A rotação de culturas proporciona, por exemplo, maior ciclagem de nutrientes, devido ao fato que as espécies vegetais possuem diferentes sistemas radiculares diferentes, de diferentes profundidades, com padrão de extração de nutrientes diferentes.
Desta forma, nutrientes que foram lixiviados e estão fora do alcance de sistemas radiculares fasciculados mais rasos são recuperados por sistemas pivotantes mais profundos e, após a morte destas plantas, ficam disponíveis na superfície do solo.
Além disso, algumas espécies vegetais atuam como adubos verdes, fixando o nitrogênio da atmosfera, como no caso das plantas da família botânica Fabaceae, ou hiperacumulando nutrientes na parte aérea.
Essas espécies vegetais utilizadas na adubação verde geralmente possuem uma relação carbono/nitrogênio muito baixa (menor que 40:1), favorecendo assim a decomposição mais rápida de seus resíduos e a liberação dos nutrientes no solo.
Ao contrário dos adubos verdes, as plantas utilizadas como cobertura do solo, principalmente as da família botânica Poaceae, possuem alta relação carbono/nitrogênio (acima de 40:1), resultando em maior duração da palhada na superfície do solo.
Uma boa cobertura do solo com resíduos de plantas é um dos pilares do Sistema Plantio Direto, pois protege o solo do impacto das gotas de chuva e da erosão, além de atuar na manutenção da umidade no solo e de temperaturas mais baixas na superfície do solo.
Portanto, ao intercalar plantas das famílias Fabaceae e Poaceae ao longo das safras em um sistema de rotação de culturas é possível aumentar não só a fertilidade química do solo, como também aumentar o teor de matéria orgânica no solo.
A matéria orgânica do solo desempenha um papel fundamental na manutenção das funções do solo, dada a sua influência na estrutura e estabilidade do solo, na retenção de água, na biodiversidade e como fonte de nutrientes para as plantas.
Além disso, a matéria orgânica estimula o desenvolvimento de microrganismos benéficos no solo que vão não só disponibilizar nutrientes para as plantas cultivadas, como também podem atuar como agentes biológicos de controle de importantes pragas agrícolas.
Nesse sentido, a rotação de culturas pode reduzir a população de nematoides em uma área ao longo das safras, atuando basicamente em duas frentes: favorecendo o desenvolvimento de microrganismos que atuam como inimigos naturais e proporcionando plantas com baixo fator de reprodução de nematoides.
Plantas que possuem fator de reprodução maior que 1,0 são boas hospedeiras de nematoides, aumentando sua população no solo, enquanto plantas com fator de reprodução menor que 1,0 irão reduzir a população de nematoides na área.
Intercalar espécies vegetais hospedeiras e espécies não-hospedeiras, em conjunto com o aumento da matéria orgânica e da atividade microbiana do solo, é uma estratégia eficaz para manter a infestação de nematoides no solo dentro de níveis aceitáveis.
3. Os benefícios da rotação de culturas para o manejo fitossanitário
O manejo fitossanitário é, de longe, o item do custo de produção agrícola que mais encareceu ao longo dos anos, proporcionalmente aos outros itens.
Se em 2002 você perguntasse a um agricultor qual era o item mais caro do custo de produção ele com certeza lhe responderia que seria o fertilizante. Hoje, qualquer produtor rural irá lhe dizer que é o manejo fitossanitário.
E isso, infelizmente, não mudou por que os preços dos fertilizantes diminuíram, mas sim por que o custo com herbicidas e, principalmente, fungicidas e inseticidas aumentaram muito.
Em 2002, por exemplo, se você dissesse ao agricultor que o tratamento de sementes de soja deveria ter algum outro produto que não apenas inoculante, cobalto e molibdênio, que ele precisaria fazer aplicações de fungicidas no milho ou que os percevejos seriam uma praga-chave na cultura do milho, ele provavelmente daria risada e não te levaria a sério.
Hoje ninguém está rindo.
É preciso lembrar que, ao contrário dos países europeus ou norte-americanos, o Brasil não possui um inverno rigoroso que elimina plantas daninhas, pragas, patógenos e plantas hospedeiras.
Ao contrário, o clima brasileiro favorece o surgimento de um fenômeno chamado ponte verde, em que duas safras agrícolas e a vegetação espontânea do pousio multiplicam problemas fitossanitários o ano inteiro.
Plantas daninhas resistentes a herbicidas, novas doenças de plantas cultivadas, aumento da incidência de pragas agrícolas e perda da eficiência de herbicidas, fungicidas, inseticidas e de biotecnologias são apenas alguns dos problemas fitossanitários enfrentados atualmente pelos agricultores.
E todos esses problemas fitossanitários seriam ao menos minimizados se a rotação de culturas fosse adotada pelos agricultores brasileiros.
A alternância de culturas agrícolas favorece a rotação de ingredientes ativos e de mecanismos de ação, evitando assim a seleção de indivíduos resistentes aos principais herbicidas, fungicidas e inseticidas utilizados atualmente.
Pelo mesmo princípio, a rotação de culturas também poderia evitar a multiplicação de insetos resistentes às biotecnologias disponíveis atualmente no mercado, em conjunto com a adoção das áreas de refúgio.
E como nem todas as culturas agrícolas são hospedeiras dos mesmos patógenos, a rotação de culturas também contribui para a redução da incidência de doenças de plantas, desde que observada a alternância entre plantas hospedeiras e plantas não-hospedeiras.
4. Como fazer a rotação de culturas em sua propriedade rural
Nenhum dos fatos citados acima é completamente novo para os agricultores. De maneira geral, todos eles compreendem as vantagens técnicas da rotação de culturas.
A questão costuma ser financeira. E completamente equivocada.
Em primeiro lugar, por que não é necessário deixar de produzir culturas rentáveis para se adotar a rotação de culturas. Pelo menos, não em toda área.
Sim, por que a ideia que se tem sobre a rotação de culturas é que, para adotá-la, seria necessário deixar de cultivar culturas com maior rentabilidade, como a soja por exemplo, por uma safra.
Mas é possível dividir a propriedade rural em partes, e realizar a rotação de cultuas ao menos entre os talhões.
Uma propriedade rural pode ser dividida, por exemplo, em cinco partes, onde o cultivo da soja seria realizado no verão em 80% da área e a rotação de culturas em 20%.
Na safra seguinte, os 20% da área que não irão receber soja seriam diferentes da safra anterior, até que o sistema tenha rodado pelas cinco partes.
Entre os agricultores que têm conseguido implantar com sucesso um sistema de rotação de culturas, vale a pena destacar os resultados obtidos pelo Eng. Agr. José Eduardo de Macedo Soares Júnior da Fazenda Capuaba, em Lucas do Rio Verde-MT:
A Fazenda Capuaba não só conseguiu minimizar os graves problemas com nematoides com a rotação de culturas e a diversificação de espécies vegetais, como também construiu a fertilidade do solo e obteve reduções expressivas do custo de produção ao longo das safras.
Mas, infelizmente, não existe uma “receita-de-bolo” para a rotação de culturas. O sistema de rotação de culturas implantado com sucesso na Fazenda Capuaba pode não servir para a propriedade rural vizinha, que possui histórico da área diferente, problemas diferentes, maquinário diferente, equipe de colaboradores diferente, etc.
É preciso lembrar também que para fazer a rotação de culturas não basta apenas escolher culturas agrícolas diferentes.
Culturas agrícolas diferentes, mas da mesma família botânica, com os mesmos problemas fitossanitários, com o mesmo padrão de extração e exportação de nutrientes, pouco colaboram para o sucesso do sistema de produção agrícola.
O planejamento da rotação de culturas precisa ser realizado de modo a rotacionar também famílias botânicas, sistemas radiculares, ciclagem de nutrientes, adubos verdes e espécies formadoras de palhada, problemas fitossanitários, multiplicação de nematoides, entre os vários outros fatores abordados neste artigo.
Além disso, os efeitos da rotação de culturas podem ser potencializados com a utilização de consórcios ou integração de culturas, com duas ou mais espécies vegetais simultaneamente em uma mesma área.
Por fim, o segundo grande equívoco cometido por aqueles que possuem resistência à adoção da rotação de culturas é a cultura do imediatismo, em que os resultados são analisados apenas por safra, e não no contexto ao longo das safras.
Uma eventual frustração de receitas devido a uma menor área com soja pode ser compensada com o menor custo de produção ou com a maior produtividade (ou com ambos) na(s) safra(s) seguinte(s).
Desta forma, apenas a análise econômica ao longo das safras irá conseguir mensurar esses benefícios.