Os solos brasileiros são naturalmente ácidos, fato que implica na necessidade de calagem para que seja possível alcançarmos a produtividade e o lucro que desejamos.
O caráter ácido do solo é oriundo de seu processo de formação. Em condições de precipitação elevada e boa drenagem, os cátions básicos são “lavados” dos coloides.
Além disso, fatores como a decomposição da matéria orgânica, liberação de íons H+ pelas raízes ao absorver cátions e adição de adubos nitrogenados com efeito residual ácido no solo também são responsáveis por gerar acidez,
Deste modo, há aumento de cátions ácidos (Al+3 e H+) no solo, fazendo com que seu pH diminua.
O pH se refere ao potencial de hidrogeniônico de qualquer solução e é representado por uma escala de 0 a 14, onde valores abaixo de 7 indicam acidez, iguais a sete indicam neutralidade e maiores do que 7 indicam alcalinidade.
É válido lembrarmos que o Al+3 é considerado um cátion ácido porque libera H+ na solução do solo ao se dissociar.
Por isso, também dizemos que os solos são ácidos, ou seja, porque são capazes de liberar H+ quando em contanto com a água.
Sendo assim, a calagem é uma prática essencial para os cultivos agrícolas em praticamente todo o território brasileiro.
Com a adição de um corretivo de acidez ao solo, geralmente o calcário, uma reação química com liberação de hidroxilas (OH–) é desencadeada, sendo responsável por elevar o pH até onde queremos.
Essa é a razão de o gesso agrícola não ser considerado um corretivo de acidez, pois sua reação no solo não libera OH–.
Entretanto, alguns estudos sugerem que esse material tenha potencial de neutralizar o Al+3 em subsuperfície.
Logo, é essencial entendermos quando e como devemos executar a calagem, qual corretivo de acidez vamos utilizar e como isso vai tornar possível que as plantas expressem seu potencial genético em termos de produtividade.
Por isso, se você deseja obter conhecimento detalhado sobre calagem, continue lendo esse texto.
O que é a calagem
Podemos considerar que a calagem é a adição de algum material capaz de liberar OH– ao solo, com o intuito de elevar seu pH para valores considerados adequados agronomicamente.
Existem diversos corretivos de acidez disponíveis, como a cal virgem, a cal hidratada, porém, usualmente, a calagem é realizada com calcário dolomítico (MgCO3) ou calcítico (CaCO3).
Ao incorporar esses materiais no solo, realizando a calagem, são liberadas OH– quando em contato com água.
Essas OH– são atraídas pelo H+ e formam água, neutralizando a acidez ativa do solo.
Além disso, como o H+ pode ser adsorvido pelos coloides do solo, ao ser neutralizado, aumentam-se os sítios de adsorção de nutrientes como o K+, o Ca+2 e o Mg+2.
Com a liberação das OH– na solução do solo, o Al+3 solúvel e tóxico às plantas se precipita, formando hidróxido de alumínio e deixando de ser problema aos cultivos.
Por isso, de maneira geral, podemos dizer que o aumento do pH do solo, principal benefício da calagem, promove o aumento da disponibilidade de nutrientes na solução do solo e reduz a disponibilidade do alumínio tóxico, como ilustrado no gráfico abaixo:
Como você pode ver no gráfico acima, a única exceção são nutrientes metálicos (ferro, cobre, manganês e zinco), que possuem sua disponibilidade reduzida com o aumento do pH do solo, motivo pelo qual doses muito elevadas de calcário, sem incorporação, podem induzir a deficiência destes nutrientes metálicos.
Existem padrões mínimos de qualidade que os corretivos de acidez devem apresentar de acordo com a legislação brasileira.
O calcário calcítico e o dolomítico são fontes de Ca e Mg, diferindo entre si principalmente pela quantidade magnésio presente no calcário.
Enquanto o calcário calcítico apresenta menos de 5% de MgO, o calcário dolomítico deve possuir mais de 12% de MgO.
Desta forma, se o laudo de análise do solo apontar deficiência de um desses nutrientes, devemos escolher o tipo de calcário em função disso.
Ou seja, se no resultado da análise química do solo o teor de magnésio está abaixo de 0,5 cmolc dm-3 (ou 5 mmolc dm-3), faz-se necessário a escolha do calcário com maior teor de magnésio (dolomítico).
Em relação ao pH do solo, os valores que nós consideramos como adequados são variáveis, porém, a maioria das culturas se desenvolvem adequadamente em valores de pH determinado em H2O entre 5,5 e 6,5.
Com exceção do arroz irrigado por inundação, as culturas produtoras de grãos são mais produtivas em pH (H2O) 6,0.
Nessa faixa de pH os macros e micronutrientes ficam solúveis e disponíveis para absorção pelas plantas, enquanto elementos possivelmente tóxicos, como o Al+3, encontram-se em formas não assimiláveis.
Critérios para a necessidade de calagem
Percebemos que a calagem é necessária sempre que o pH em H2O estiver fora da faixa desejada, geralmente entre 5,5 e 6,5.
Sendo assim, o primeiro passo para executar a calagem é a amostragem do solo, a qual é item essencial para o planejamento da adubação e da correção da acidez.
A amostragem deve ser representativa da área da nossa lavoura e deve seguir passos específicos quando se utiliza preparo convencional ou plantio direto.
As amostras devem ser obtidas, pelo menos, com 6 meses de antecedência da implantação do cultivo, pois o envio e o retorno dos resultados por parte do laboratório pode levar mais de um mês.
Porém, de posse do laudo de análise do solo, podemos decidir se vamos realizar a calagem e quanto de calcário iremos aplicar.
A necessidade de calagem pode ser identificada com base em diferentes critérios utilizados no Brasil, porém, as doses não costumam ser discrepantes.
Geralmente, dizemos que é necessário corrigir o solo quando o pH em água ou a saturação da CTC por bases são inferiores a valores predeterminados de acordo com a cultura em cada estado.
Esses valores são especificados em cada estado e cultura de relevância econômica.
A dose a ser adicionada é calculada com o intuito de elevar a saturação por bases ou o pH de referência (pH ótimo para o desenvolvimento da cultura) até o valor desejado conforme a cultura.
De acordo com o manual de adubação e calagem dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a dose de calcário é definida de acordo com índice SMP.
Esse índice é apresentado nos laudos das análises de solo e considera a acidez potencial (H + Al), ou seja, aquela acidez adicional gerada conforme o poder tampão do solo.
Porém, existem outros critérios para determinação da dose de calcário.
Em São Paulo, parte do Paraná e em alguns estados do centro-oeste a saturação por bases e o teor mínimo de magnésio no solo são utilizados como critério para a necessidade de calagem:
NC (t ha-1) = [(V2 ‐ V1) x T ] / PRNT
Em que V2 é o valor para o qual se pretende elevar a saturação por bases, geralmente entre 60 e 70% para a maioria das culturas agrícolas, V1 é a saturação por bases que o solo possui, determinada pela análise química do solo, T é a CTC a pH 7,0, em cmolc dm-3, e PRNT é Poder Relativo de Neutralização Total.
Exemplificando, baseando-nos no critério da saturação por bases, em São Paulo admite-se a aplicação de calcário em culturas como milho e trigo, quando a saturação por bases for inferior a 70%.
O Poder Relativo de Neutralização Total (PRNT) é uma medida do quanto do calcário irá reagir no solo em um período de até 90 dias, e é calculado com base no poder de neutralização (PN) e na reatividade do calcário (RE), ou seja, é determinado de acordo com sua capacidade de neutralizar um ácido (PN) e sua granulometria (RE).
Um PRNT de 90% significa que 90% deste calcário irá reagir no solo em um período de até 90 dias.
Clique aqui e baixe gratuitamente a planilha de cálculo de necessidade de calagem do Instituto Agro.
Outra forma de calcular a dose de calcário necessária é por meio dos teores de cálcio e magnésio do solo, uma vez que o calcário é a fonte mais econômica destes dois nutrientes. Pelo cálculo do Ca e Mg, a dose de calcário é determinada pela seguinte fórmula:
NC (t ha‐1) = {(Al x Y) + [X ‐ ( Ca + Mg)]} x (100/PRNT)
Em que os teores de Al3+, Ca2+ e Mg2+ estão em cmolc dm-3, Y é um valor tabelado em função do poder tampão do solo (que irá variar de acordo com a classe textural) e X é o teor mímino de Ca + Mg, de acordo com a exigência da cultura comercial.
Desta forma, temos que:
Y = 1 para solos arenosos
Y = 2 para solos de textura média
Y = 3 para solos argilosos
e
X = 1 para o eucalipto
X = 2 para a maioria das culturas
X = 3 para o cafeeiro
A escolha entre a fórmula da saturação por bases (calagem para correção da acidez do solo) ou do cálcio e magnésio (calagem como fonte de Ca e Mg) geralmente é realizada pelo resultado de maior valor, de forma que se realize a correção do problema mais limitante.
Para facilitar a determinação da dose de calcário, o Instituto Agro elaborou uma planilha de Excel, que você pode baixar gratuitamente neste link.
Como e quando aplicar calcário no solo
Como nem todo o calcário reage imediatamente ao ser incorporado no solo, observamos que a calagem demora, no mínimo, cerca de três meses para ter seu efeito identificado no solo.
Logo, sua aplicação deve respeitar esse período que antecede a semeadura da cultura de interesse.
Entretanto, quanto maior a reatividade do calcário, mais rápida será sua ação. Esse fato é baseado na granulometria do corretivo e, sendo assim, quanto mais fino mais rápida será sua reação.
Por isso, caso ocorram atrasos na execução da calagem, é possível optar por um calcário finamente moído, o qual levará menos tempo para elevar o pH, porém, o efeito residual será menor.
Além disso, devemos adotar estratégias diferentes de calagem a depender do tipo de preparo do solo.
No caso do preparo convencional do solo, a amostragem e a calagem são planejadas considerando a camada de 0 a 20 cm do solo.
Dessa forma, o calcário é disposto superficialmente na lavoura e, posteriormente, incorporado com grade e/ou arado.
Já no Sistema de Plantio Direto recomenda-se escarificação do solo e incorporação do calcário apenas na ocasião da implantação do sistema.
Com a consolidação do Sistema de Plantio direto, não devemos revolver o solo e, com isso, a calagem é feita apenas superficialmente.
Nesse caso, a camada de solo a ser considerada para cálculos de necessidade de calcário é a de 0 a 10 cm.
O efeito residual da calagem dura, aproximadamente, cinco anos. Nesse período, devemos voltar a monitorar a acidez do solo com maior cuidado e aplicar calcário quando a análise do solo indicar.
Entretanto, as doses de reaplicação logo após esses cinco anos geralmente são menores do que àquelas aplicadas em áreas nunca corrigidas ou que não recebem correção há mais tempo.
Aplicação de calcário e a disponibilidade de nutrientes no solo
A calagem promove benefícios como o aumento das cargas negativas do solo e a diminuição do Al trocável.
Porém, o principal objetivo da calagem é aumentar a disponibilidades dos nutrientes essenciais ao crescimento e desenvolvimento das plantas.
Todos os macro e micronutrientes encontram-se disponíveis em formas assimiláveis pelas plantas na faixa de pH de 5,5 a 6,5.
Fora dessa faixa, esses elementos encontram-se em outras formas, as quais as plantas são incapazes de aproveitar.
Em uma analogia, nós costumamos beber água no estado líquido, porém, quando ela se encontra no estado sólido ou gasoso, é quase impossível ingeri-la.
Nesse sentido, entendemos que embora os elementos ditos essenciais estejam presentes no solo, quando a calagem não é realizada, eles estão em formas impossíveis de serem assimiladas pelas plantas.
Os nutrientes que são impactados mais diretamente pela mineralização da matéria orgânica do solo são o N, o S e o B.
Na faixa de pH ótima, a atividade dos micro-organismos é favorecida, aumentando a mineralização e a disponibilidade desses nutrientes.
O P, quando o solo está na faixa de pH desejado, encontra-se em formas solúveis e aproveitáveis pelas plantas (H2PO4– e HPO4-2).
Porém, em pH ácido, o P precipita com Al ou Fe e em pH básico forma precipitados com o Ca.
Com a calagem e aumento dos sítios de adsorção de cátions, mais K+, Mg+2 e Ca+2 podem ser adsorvidos na CTC do solo, aumentando sua disponibilidade às plantas.
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Portanto, não faz sentido investirmos em adubação e em outras técnicas de manejo na lavoura se não nos preocuparmos em executar perfeitamente a calagem.
Só assim as plantas poderão absorver os nutrientes aportados e expressar todo o seu potencial genético de produção.
Calagem para alcançar altas produtividades
Sem dúvidas a construção da produtividade e do lucro da nossa lavoura passa pelo seu manejo, incluindo a prática da calagem.
Ignorando a calagem, a produção será frustrada e podemos estar jogando fora todos os outros investimentos em controle fitossanitário, sementes e mão-de-obra.
É comprovado que a calagem aumenta a produtividade de culturas como o feijoeiro e a soja, atuando, não somente como um corretivo de acidez, mas também como fonte de Ca+2 ou Mg+2.
Sabemos que plantas bem nutridas, com o sistema radicular desenvolvido, têm maior capacidade de resistir estresses abióticos como a falta de água.
Aliando a prática de calagem com a fertilidade do solo, disponibilidade de água e controle fitossanitário, certamente conseguiremos obter altas produtividades e aumentaremos o lucro da propriedade.
Além disso, o custo referente à aplicação de calcário é pequeno quando comparado a todos os outros fatores quem compõem os custos de produção da nossa lavoura.
Ainda é comum encontrarmos solos com a acidez elevada em propriedades com menor nível de tecnificação e investimento. Já em propriedades um pouco mais tecnificadas, identificamos que a calagem já vem sendo entendida como uma prática primordial.
Embora a calagem seja uma técnica bastante simples, existem alguns pressupostos que não devem ser ignorados para que seja alcançado o efeito que esperamos.
Isso inclui realizar a amostragem e envio das amostras para o laboratório com bastante antecedência e seguir as especificações que existem de acordo com os tipos de preparo do solo e critérios de necessidade de calagem empregados em cada estado.
Portanto, a calagem é passo fundamental para se obter a produtividade e o lucro almejado em qualquer que seja o cultivo agrícola e deve estar integrada no planejamento do seu empreendimento.
Para facilitar o cálculo da dose de calcário, o Instituto Agro elaborou um planilha de Excel, que você pode baixar gratuitamente neste link.