Muito se discute atualmente sobre o uso de defensivos agrícolas e sobre as consequências do seu uso para a saúde das pessoas e para o ambiente.
Pouco se fala, entretanto, sobre o uso correto destes produtos fitossanitários e sobre a tecnologia de aplicação utilizada pelos produtores rurais.
Da mesma forma, não é raro ouvir reclamações de produtores rurais sobre um produto fitossanitário que não resultou no controle esperado, culpando o produto, quando na verdade a tecnologia de aplicação foi inadequada.
Ainda mais frequente é a comparação do uso de defensivos agrícolas no Brasil com países da União Europeia ou da América do Norte.
O fato é que estamos em um país abençoado por Deus, bonito por natureza, com temperaturas e chuvas que permitem duas safras agrícolas, o que faz com que pragas, doenças e plantas daninhas se multipliquem o ano todo, enquanto nos países europeus e norte-americanos a ocorrência de nevascas elimina os hospedeiros, alternativos ou não, destes problemas fitossanitários.
Por isso, independentemente do tamanho da propriedade rural, da atividade agrícola, do nível de investimento e da cultura agrícola, o uso de produtos fitossanitários, industrializados ou não, faz-se necessário.
Sim, porque mesmo na Agricultura Orgânica se faz necessário a aplicação de calda sulfocálcica, calda bordalesa, enxofre elementar, extratos de plantas, entre vários outros produtos fitossanitários permitidos em sistemas de produção ecológicos.
Observamos no campo muitos problemas relacionados à aplicação de produtos fitossanitários, que ocorrem com frequência no campo, como por exemplo a deriva, o uso de misturas inadequadas, preparação errônea da calda, dentre muitos outros.
Entretanto, tantos problemas e erros podem ser evitados com o uso adequado da tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários e com o conhecimento e análise de cada variável relacionada à aplicação, proporcionando uma tomada de decisão correta pelo técnico responsável.
De acordo com o Engenheiro Agrônomo Michael Ortigara:
Nós temos hoje excelentes produtos fitossanitários no mercado e muita tecnologia, porém não se sabe utilizar a máxima eficiência desses produtos no campo.
Em uma preocupante pesquisa realizada pela Emater, os pesquisadores observaram que quase metade dos produtos fitossanitários aplicados são perdidos por erros cometidos pelo próprio agricultor.
Essa informação nos leva a um conceito importante da tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários, que é o conceito de deriva:
Deriva pode ser definida como a parte da aplicação do produto fitossanitário que não atinge o alvo desejado.
A deriva pode ocorrer por ação do vento, por evaporação, escorrimento, entre outras causas, resultando em perda da eficiência do produto fitossanitário (e consequentemente, perdas econômicas), bem como em prejuízos ao ambiente e à saúde das pessoas.
Agora que você já está consciente da importância da tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários, continue lendo esse artigo para saber mais sobre:
- O conceito de tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários
- Redução do volume da calda de aplicação
- Incompatibilidade de produtos fitossanitários na calda
- Boas práticas da tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários
- Aplicação aérea de produtos fitossanitários
1. O conceito de tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários
Antes de se realizar a aplicação de um defensivo agrícola é necessário responder, no mínimo, quatro perguntas para garantir bons resultados agronômicos:
- Qual é o alvo biológico que precisa ser controlado?
- Qual o tratamento fitossanitário mais adequado?
- Como realizar uma aplicação eficaz?
- Como realizar o tratamento com o menor impacto ao ambiente?
Com estas respostas em mente, fica mais fácil compreender o conceito de tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários:
Tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários é o emprego de todos os conhecimentos científicos que proporcionem a correta colocação do produto biologicamente ativo no alvo, em quantidade necessária, de forma econômica e com mínimo de contaminação de outras áreas.
Repare que a definição acima sobre tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários não faz referência ao tipo, tamanho ou valor da máquina agrícola utilizada na aplicação.
É possível realizar uma boa aplicação de produtos fitossanitários utilizando um pulverizador costal, desde que se atenda aos 4Cs da tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários:
- Momento certo
- Produto certo
- Dose certa
- Aplicação certa
De maneira geral, o sucesso da aplicação de um produto fitossanitário está ligado à seleção correta das pontas de pulverização, do volume de calda adequado, da velocidade de deslocamento, das condições ambientas favoráveis e do momento correto em relação ao alvo.
A definição do tamanho de gotas e do volume de aplicação irá depender do alvo biológico, do produto fitossanitário e das condições climáticas:
O tamanho adequado das gotas é muito importante para a deposição adequada do produto fitossanitário no alvo e para evitar a deriva.
Cada tipo de ponta de pulverização produz um espectro de tamanho de gotas que depende da pressão de operação. As gotas finas, por exemplo, são as que possuem a melhor cobertura do alvo e a maior penetração do dossel vegetal, porém são também as mais sensíveis ao vento e possuem o maior risco de evaporação.
2. Redução do volume da calda de aplicação
Assim como o tamanho de gotas, a definição do volume de calda também depende do alvo biológico, do produto fitossanitário (principalmente ao seu mecanismo de ação) e da técnica de aplicação.
Existe uma tendência de redução do volume de calda a ser utilizado por hectare, aumentando assim o rendimento operacional da aplicação de produtos fitossanitários pelo menor tempo gasto com abastecimentos.
Esta é uma questão polêmica, que divide opiniões.
De acordo com o professor Ulisses R. Antuniassi, da Unesp de Botucatu, o volume médio de calda utilizado no Brasil para aplicações terrestres de herbicidas na cultura da soja é de cerca de 120 L ha-1.
A classificação do volume de calda em aplicações terrestre é assim dividida:
- Alto volume: maior que 600 L ha-1
- Médio volume: 200 a 600 L ha-1
- Baixo volume: 50 a 200 L ha-1
- Muito baixo volume: 5 a 50 L ha-1
- Ultrabaixo volume: menor que 5 L ha-1
É possível utilizar então volumes de calda baixo ou muito baixo para maximizar o rendimento operacional?
A resposta a esta pergunta é, como tudo na Agronomia, depende.
Em condições climáticas adequadas, com a ponta de pulverização correta, na velocidade de deslocamento adequada, com o pulverizador agrícola regulado e calibrado é possível sim realizar a redução do volume de calda na aplicação de produtos fitossanitários, sobretudo os de ação sistêmica.
Ou seja, é possível reduzir o volume de calda desde que utilizada a tecnologia de aplicação correta.
As características físicas e químicas dos produtos fitossanitários também devem ser levadas em consideração.
Produtos muito concentrados ou sólidos terão problemas com a redução de volume da calda, pois exigem maior quantidade de água para que possam ser dissolvidos corretamente.
3. Incompatibilidade de produtos fitossanitários na calda
A mistura de produtos fitossanitários na calda de aplicação é uma prática que otimiza as operações mecanizadas na lavoura, de modo a reduzir o número de operações, e que consequentemente diminuirá a quantidade de horas-máquina e o custo de produção.
Antes esta prática não era regulamentada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), embora fosse realizada indiscriminadamente nas propriedades rurais do Brasil.
A mistura em tanque, entretanto, foi regulamentada por meio de uma Instrução Normativa publicada pelo MAPA, juntamente com o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA).
A partir da publicação desta Instrução Normativa, o Engenheiro Agrônomo passa a ser o responsável por definir quais misturas podem ser feitas no tanque de pulverização, sem a ocorrência de incompatibilidade entre os defensivos agrícolas.
A incompatibilidade reduz a eficiência dos produtos, pode aumentar a toxidade e/ou aumentar os resíduos na cultura.
A interação entre produtos fitossanitários podem resultar em alterações físicas ou químicas.
Na alteração física, formam-se grânulos precipitados, os quais podem entupir as pontas de pulverização e causar obstrução dos filtros, provocando um grande transtorno para a operação e a ineficiência do defensivo agrícola.
A alteração química se refere à eficácia dos produtos. Neste caso, a interação entre os produtos pode ser:
- Aditiva: quando a eficácia do produto não se modifica;
- Sinérgica: quando um produto faz aumentar a eficácia do outro;
- Antagônica: quando um produto faz diminuir a eficácia do outro.
Obviamente, no caso de interação antagônica entre defensivos agrícolas, diz-se que há incompatibilidade entre eles.
A Revista AgroDBO publicou uma série de tabelas sobre as interações entre produtos fitossanitários. Clique aqui para acessá-las.
4. Boas práticas da tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários
Utilizar de forma correta a tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários é essencial para garantir a eficácia do produto e a segurança para as pessoas e para o ambiente.
Em relação às condições climáticas, você deve se certificar que estejam favoráveis para se realizar a aplicação. Isso quer dizer que a velocidade do vento deve estar entre 3 e 10 km h-1, que a temperatura ambiente deve ser menor que 30°C e que a umidade relativa do ar seja de, no mínimo, 50%.
Além disso, a direção do vento deve ser preferencialmente oposta aos talhões sensíveis ao produto fitossanitário, principalmente no caso de herbicidas.
A deriva é um problema muito sério e muito comum em aplicações de defensivos agrícolas. Ela causa contaminação do ambiente e pode afetar culturas vizinhas sensíveis ao defensivo agrícola utilizado.
Além disso, a aplicação com deriva não será eficiente e irá aumentar os custos de produção.
Uma das principais causas de deriva é a realização de aplicações de produtos fitossanitários em condições de ventos fortes, utilizando gotas finas e muito finas.
Além disso, a velocidade pulverizador e a altura da barra de pulverização também podem influenciar na deriva.
Para evitar a deriva, é importante:
- Respeitar as condições climáticas de temperatura do ar, umidade relativa e de velocidade do vento.
- Evitar realizar aplicações em condições de vento muito forte. Entretanto, se não for possível, utilize gotas médias a grossas
- Utilizar condições operacionais adequadas, evitando alta velocidade do pulverizador ou altura da barra de pulverização maior que 0,50 m acima do alvo.
- Utilizar adjuvantes que tenham a capacidade de reduzir a deriva.
Para evitar o risco de intoxicação dos trabalhadores rurais pelos produtos fitossanitários, é fundamental fornecer os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) necessários para trabalhar no contato com os defensivos agrícolas, como luvas, máscara, avental, jaleco, calça, touca árabe, botas, etc.
Os operadores também devem obedecer às regras de higienização desses equipamentos, e se atentar à validade dos e o número de lavagens de cada EPI.
É importante também manter a qualidade dos pulverizadores para que as aplicações sejam sempre efetivas. Para isso, deve-se realizar a limpeza do tanque, com o intuito de não deixar resíduos que possam interferir em aplicações futuras, a limpeza periódica das pontas de pulverização, para evitar riscos de entupimento, e realizar a manutenção dos sistemas hidráulicos, para garantir o bom funcionamento do pulverizador como um todo.
5. Aplicação aérea de produtos fitossanitários
A aplicação aérea ainda é utilizada em menor escala, quando comparada à aplicação terrestre, mas também funciona muito bem e pode ser muito vantajosa em determinadas situações.
Apesar de não ser a principal forma de aplicação de produtos fitossanitários, o Brasil possui a segunda maior frota de aviões agrícolas do mundo, com 2.115 aeronaves agrícolas (dados de 2017).
Existem 244 empresas de aviação agrícola no país, as quais são responsáveis por aproximadamente 68% de toda a frota brasileira.
Normalmente, a aplicação aérea é disponibilizada por empresas que prestam este serviço.
Um importante fator a ser considerado quando se considera a aplicação aérea como uma opção, é a distância entre a área que irá receber a aplicação dos defensivos agrícolas e a pista de decolagem e pouso, tendo em vista a relação custo/benefício.
Nesse sentido, a aplicação aérea realizada em pequenas áreas não será viável se a pista estiver muito distante da propriedade rural. Contudo, se a área for grande, essa distância seria compensada.
Na utilização de aeronaves agrícolas para a aplicação de produtos fitossanitários, os cuidados são ainda maiores que os observados nos equipamentos terrestres, pois é necessário se atentar para os efeitos aerodinâmicos do voo, para a faixa de deposição das gotas (que é maior do que a largura das barras de pulverização), para as menores vazões por área, o maior distanciamento da barra de pulverização em relação ao alvo de deposição, para as pressões mais baixas e para as menores possibilidades de ajuste do tamanho de gotas para compensação das variações climáticas durante as aplicações.
Além disso, a pulverização aérea de defensivos agrícolas é regulamentada por legislação específica, e os produtos fitossanitários a serem utilizados precisam ter sido registrados para o uso e aplicação com aeronaves agrícolas.
A principal e mais interessante vantagem da aplicação aérea é a capacidade operacional. As aplicações são realizadas rapidamente, em uma grande extensão de área.
Isso ocorre porque as vazões utilizadas na aplicação aérea são bem menores, as quais são:
- Alto volume (AV): nesta modalidade a vazão varia de 40 a 60 litros por hectare, realizando a aplicação em 30 a 40 hectares por hora.
- Baixo volume (BV): a vazão varia de 10 a 30 litros por hectare, realizando a aplicação de 60 a 70 hectares por hora.
- Baixo volume em óleo (BVO): a vazão varia de 5 a 20 litros por hectare.
- Ultra baixo volume (UBV): a vazão é menor que 5 litros por hectare, e pode realizar a aplicação em 80 a 120 hectares por hora.
As técnicas de UBV e BVO estão sendo muito utilizadas na cultura do algodão, para controle do bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis). As micro gotas oleosas promovem melhor efeito residual do produto, melhorando assim a eficácia de controle.
Além dessa excelente capacidade operacional, o fato de o pulverizador não passar por cima das plantas ou sobre o solo reduz a compactação do solo causada pelo tráfego de máquinas e minimiza as injúrias causadas nas plantas.