Se você trabalha direta ou indiretamente com a agricultura, em algum momento certamente já ouviu falar sobre o Manejo Integrado Praga (MIP).
O termo Manejo Integrado de Pragas (MIP) foi proposto por volta dos anos 1960, época em que o mundo ficou sabendo mais claramente sobre os efeitos nocivos colaterais dos inseticidas. De forma resumida, pode-se dizer que:
O Manejo Integrado Praga (MIP) é o conjunto de medidas que visa manter as pragas abaixo do nível de dano econômico, levando-se em conta critérios econômicos, ecológicos e sociais.
O MIP então surgiu como uma proposta da comunidade científica agronômica, com o intuito de reduzir as aplicações de inseticidas e de realizar de forma mais eficiente o manejo dos inseto-praga.
Sendo assim, o MIP tem por objetivo principal amparar diferentes ferramentas para o manejo de importantes insetos-praga agrícolas.
Desta forma, o MIP se baseia no engajamento de um conjunto de estratégias para o manejo e, não apenas em aplicações com inseticidas como a única saída para a erradicação das pragas.
De acordo com dados do SENAR-PR, a média de aplicações de inseticidas para o manejo de insetos-praga nas lavouras de soja do Paraná reduziram de 4 para cerca de 2 aplicações por safra, nas áreas que utilizam o Manejo Integrado de Pragas (MIP).
Diante deste cenário, o MIP se tornará o principal aliado dos agricultores nas próximas décadas.
Sendo assim, entender melhor como o MIP funciona, lhe fará estar um passo à frente das próximas tendências mundiais.
As bases do Manejo Integrado de Pragas (MIP)
No Brasil, o MIP teve início com programas pilotos idealizados pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), no início da década de 70, para a cultura da soja.
No entanto, somente nos anos 1980 é que esta ferramenta começou a ganhar mais força e visibilidade.
O MIP utiliza várias estratégias de manejo como referências, sendo a integração delas o principal mecanismo para o sucesso do MIP.
Dentre esta estratégias, podemos citar diferentes técnicas de manejo específicas, como por exemplo:
- Aplicação de inseticidas químicos;
- Aplicação ou liberação de agentes de controle biológico;
- Emprego de práticas de manejo físico e cultural;
- Identificação correta dos insetos-pragas;
- Liberação de feromônios;
- Liberação de machos estéreis;
- Manutenção de áreas de refúgio, quando utilizadas variedades vegetais transgênicas resistentes a insetos;
- Monitoramento da lavoura de forma periódica;
- Nutrição adequada das plantas, isto quer dizer, a lavoura não deve estar sob deficiência nutricional ou sob excesso de adubação;
- Realizar aplicações com inseticidas antes da cultura atingir o Nível de Dano Econômico (NDE);
- Utilização de extratos vegetais;
- Utilização de genótipos de plantas resistentes a pragas; e
- Utilização genótipos transgênicos, especialmente, as cultivares Bt (resistentes a lagartas).
Sendo assim, o MIP utiliza como pilares 6 tipos de manejos diferentes:
- Manejo cultural
- Manejo biológico
- Manejo comportamental
- Manejo genético
- Manejo varietal
- Manejo químico
A opção por um ou outro depende de fatores externos relacionados a cada sistema de produção e do manejo adotado pelo agricultor.
O MIP é uma técnica que tende a crescer bastante nos próximos anos, e isso acontecerá, principalmente, em consequência da alta demanda mundial pela produção de alimentos de forma ambientalmente correta e sustentável.
Como fazer o monitoramento de pragas na lavoura
O monitoramento pode ser realizando de diversas formas e com o auxílio de várias ferramentas.
As lupas, principalmente as entomológicas, podem auxiliar a visualização de pragas de tamanho reduzido, como é o caso dos tripes, ácaros, pulgões e outros pequenos insetos.
As armadilhas adesivas (com e/ou sem feromônios) também são fundamentais como estratégias auxiliares no monitoramento, pois promovem a captura e a visualização de insetos-praga nas culturas em que são utilizadas, seja ela instalada a campo, ou em casa de vegetação.
Para estimar a quantidade média de insetos presentes em uma lavoura, pode-se usar também o “pano de batida”.
Na verdade, este instrumento é primordial para estabelecer o NDE e o nível de controle (NC) em algumas culturas.
O pano de batida é constituído por um pano ou lona de 1 m x 1 m, com um suporte de madeira nas laterais.
A sua utilização ocorre de modo muito fácil, com o pano de batida estendido entre as fileiras da cultura, as plantas de uma fileira devem ser inclinadas e agitadas vigorosamente sobre o pano, provocando a queda dos insetos.
Em seguida, procede-se identificação e a contagem dos insetos amostrados.
No MIP, o monitoramento das pragas só é eficiente se o responsável por esta atividade for capaz de identificar com precisão as espécies dos insetos, já que de nada adianta um planejamento exemplar para o monitoramento, se os insetos não puderem ser identificados.
Apenas com a identificação da praga é que as possíveis alternativas de controle baseadas no MIP podem ser implementadas.
Atualmente, a agricultura de precisão e o sensoriamento remoto estão se tornado fortes aliados na identificação de áreas sob ataque de pragas. Em lavouras agrícolas muito extensas, o monitoramento torna-se difícil sem o auxílio de novas tecnologias.
Por isso, muito produtores tem recorrido ao uso de imagens de satélites e de drones para o monitoramento das lavouras.
Estas imagens não permitem a identificação do inseto-praga, entretanto, indicam com precisão onde estão as áreas sob o ataque destas pragas.
Esta tecnologia já é uma realidade em diversos culturas e atualmente tem auxiliado bastante produtores rurais de cana-de-açúcar.
O Nível de Controle de Pragas (NC) e a tomada de decisão
Como você pode perceber, o MIP visa, antes de tudo, a prevenção dos danos causados pelos insetos nas culturas de interesse.
Além disso, utiliza como princípio para a tomada de decisão o Nível de Dano Econômico (NDE) e o Nível de Controle (NC).
O Nível de Dano Econômico (NDE) é a densidade populacional de um inseto-praga capaz de causar um prejuízo de igual valor ao seu custo de controle.
Atualmente, já foram estabelecidos diversos NDE para as mais variadas pragas e culturas:
- O NDE para o percevejo-verde da soja (Nezara viridula) em feijão-caupi é de 0,7 percevejos m-1.
- O NDE para o percevejo-barriga-verde (Dichelops furcatus) no do milho situa-se sempre abaixo de 0,5 percevejo m-1.
- Para os grãos de trigo armazenado, o NDE de gorgulho (Sitophilus zeamais) é de aproximadamente 0,18 g inseto kg-1 de grão.
Observando as informações fornecidas acima, podemos observar que o NDE varia bastante, conforme a espécie do inseto-praga e a cultura.
Portanto, o monitoramento se torna um dos passos mais importantes para o MIP.
A função do Nível de Controle (NC) é impedir que as pragas atinjam o Nível de Dano Econômico (NDE).
Sendo assim, o NC representa o momento exato para adotar uma medida de controle, a qual deve ser capaz de reduzir a população da praga até que ela atinja o Ponto de Equilíbrio (PE).
Nível de Controle (NC) é a densidade populacional de uma praga em que devem ser tomadas as medidas de controle, para que não cause danos econômicos.
A diferença entre os valores do NDE e do NC é igual a velocidade de ação dos métodos de controle.
Se pensarmos no NDE, NC e PE como um gráfico, temos a situação abaixo.
Nele, o PE da população dos insetos-praga se situa sempre abaixo do NDE e do NC. Isso significa que a população da praga ao atingir o PE, ela não apresenta riscos econômicos a lavoura.
Tanto o NDE quanto o NC estão associados a eficiência do monitoramento. Então, se por acaso o monitoramento for deixado de lado ou for mal feito, os danos nas culturas agrícolas podem ser incalculáveis.
Os inseticidas são permitidos no Manejo Integrado de Pragas (MIP)?
O MIP se baseia na redução da dependência de inseticidas para o manejo das pragas agrícolas, através do emprego de técnicas alternativas de controle.
Mas isso não quer dizer que os inseticidas químicos estejam fora de questão.
Muito pelo contrário, os inseticidas químicos podem sim serem utilizados no MIP.
Entretanto, o seu uso requer cautela, não devendo ser utilizado de modo indiscriminado.
Veja abaixo dois casos onde os inseticidas podem e devem ser utilizados como ferramentas no MIP.
Tratamento de sementes
As pragas que se localizam no subsolo das lavouras são uma dor de cabeça para os agricultores.
O tratamento de sementes é uma opção altamente recomendada para áreas que apresentam histórico de infestações com pragas de solo.
Na cultura do milho, por exemplo, o tratamento de sementes é uma ferramenta bastante recomendada no planejamento do MIP.
O tratamento de sementes garante segurança às plântulas recém-emergidas, pois as protegem no período em que estão mais suscetíveis ao ataque das pragas.
Além disso, reduz o número de pulverizações foliares sobre as plantas jovens, uma vez que boa parte dos inseticidas químicos utilizados para este fim protegem as plantas por períodos de até 15 dias.
Pulverizações foliares apenas com produtos registrados pelo MAPA
As pulverizações com inseticidas ainda são as medidas de manejo mais utilizadas para o controle dos insetos-pragas.
Contudo, deve-se respeitar as recomendações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para cada espécie de inseto e o seu respectivo registro para as culturas agrícolas.
As estratégias do MIP levam em consideração a preferência por inseticidas seletivos às pragas-alvo. Desta forma, os inimigos naturais podem ser preservados.
Em situações onde a densidade populacional das pragas é muito alta, os inseticidas químicos devem ser a primeira via de manejo empregada.
Manejo Integrado de Pragas (MIP) para lagartas e percevejos
As lagartas são pragas bastante conhecidas do MIP. Apesar de o seu manejo também incluir agentes de controle biológico, a alternativa mais eficiente para o seu controle ainda são o emprego de genótipos de plantas transgênicas.
No entanto, apenas as culturas do milho, algodão e soja possuem atualmente eventos transgênicos de resistência a lagartas registrados e liberados para comercialização.
O MIP ainda estabelece regras claras quanto ao planejamento das lavouras de transgênicos e as suas áreas de refúgio.
Isto quer dizer que, uma porcentagem da lavoura deve ser cultivada com variedades convencionais (não transgênicas), para evitar a seleção de indivíduos (pragas) resistentes às proteínas da biotecnologia Bt.
A área de refúgio corresponde a 20% da área da lavoura de algodão e de soja e de 10% da área para o milho.
Além disso, as áreas de refúgio devem ser localizadas no máximo a 800 m da área com plantas transgênicas. Isto permite que as potenciais lagartas resistentes cruzem com as lagartas suscetíveis.
Os percevejos são pragas naturalmente difíceis de controlar. Por isso, diversos agricultores têm utilizado estratégias do MIP para diminuir as taxas de infestações.
Uma das estratégias mais eficientes para o manejo dos percevejos é a liberação de agentes biocontroladores. Eles auxiliam na manutenção das populações dos percevejos em níveis baixos.
Atualmente, este controle é realizado por parasitoides, como as espécies Trissolcus basalis e Telenomus podisi, ambas já são comercializadas no Brasil por empresas especializadas e tem se mostrado bastante promissoras no controle de:
- Percevejo verde (Nezara viridula).
- Percevejo marrom (Euschistus heros).
- Percevejo verde pequeno (Piezodorus guildinii).
Trissolcus basalis e Telenomus podisi são parasitoides que ocorrem naturalmente nas lavouras.
Em virtude disso, deve-se ter cuidado nas pulverizações com inseticidas de amplo espectro durante o manejo utilizando estas vespas, já que o uso inadequado de inseticidas pode reduzir drasticamente o número destes insetos benéficos.
As fêmeas de T. podisi são vespinhas de coloração preta brilhante, medindo aproximadamente 1 mm de comprimento. Elas localizam ovos dos percevejos nas lavouras e depositam nestes os seus ovos, interrompendo o ciclo de vida da praga ainda no início.
Exemplos bem-sucedidos de Manejo Integrado de Pragas (MIP)
Você já deve ser percebido a importância do MIP para a agricultura moderna: além de auxiliar no manejo das pragas, o MIP garante melhores produtividades e reduz os custos de produção das lavouras.
Resultados de pesquisas disponibilizados recentemente pela Embrapa comprovam esta afirmação. Neste estudo, os custos para o controle de insetos-praga em áreas de soja no Paraná assistidas pelo MIP foram comparados com os custos de áreas não assistidas.
Áreas com MIP
Produtividade: 64,5 sacas/ha
Custo de produção: 3,5 sacas/ha
Áreas sem MIP
Produtividade: 64,2 sacas/ha
Custo de produção: 6,5 sacas/ha
Neste caso, a produtividade não sofreu alteração significativa entre as áreas, contudo, o custo de produção cresceu, aproximadamente, 86% nas áreas não contempladas pelo MIP.
Em uma outra pesquisa, verificou-se que o setor canavieiro é um dos que mais implementa as estratégias de MIP atualmente, pois este sistema de manejo deu tão certo, que hoje é praticamente impossível se produzir cana-de-açúcar no Brasil sem pensar no panorama do controle biológico da broca-da-cana (Diatraea saccharalis) com o parasitoide Cotesia flavipes.