A safra de algodão na região do Cerrado brasileiro é desafiada todos os anos por graves problemas de cunho fitossanitário, causados por insetos-pragas, plantas daninhas e/ou patógenos.

Entretanto, alguns fatores contribuem para o aumento da população de pragas, como por exemplo:

  • Temperatura elevada durante a safra, o que resulta em maiores populações de insetos-pragas. Uma vez que, o seu ciclo de vida é encurtado em alguns dias.
  • O sistema de rotação de culturas utilizado atualmente no Brasil gira em torno de poucas espécies agrícolas, o que potencializa a taxa de reprodução de alguns insetos.
  • A permanência de plantas de algodão espontâneo (tiguera ou algodão guaxo) na entressafra, servindo como refúgio para os insetos.

Por estes motivos, a ocorrência de surtos de diversas espécies de insetos-pragas tem sido constante na cultura do algodoeiro, com destaque para:

  • Ácaro rajado (Tetranychus urticae)
  • Ácaro branco (Polyphagotarsonemus latus)
  • Bicudo (Anthonomus grandis)
  • Broca da raiz (Eutinobothrus braziliensis)
  • Lagarta curuquerê do algodoeiro (Alabama argillacea)
  • Lagarta da maçã (Heliothis virescens)
  • Lagarta rosada (Pectinophora gossypiella)
  • Pulgão (Aphys gossypii)

Dentre elas, o bicudo do algodoeiro ainda é o inseto de mais difícil controle. O manejo do bicudo tornou-se ainda mais complexo com o advento das cultivares transgênicas. Uma vez que, a eliminação dos restos culturais via aplicação de herbicida não é mais tão eficiente como antigamente, o que permite ao bicudo sobreviver.

Compreender como o bicudo se desenvolve e sobrevive, pode representar o sucesso de uma safra. Pois as estratégias de manejo serão mais assertivas para cada etapa de manejo empregada.

Histórico do bicudo do algodoeiro

Os danos ocasionados pelo bicudo têm origem mexicana, sendo que os primeiros relatos datam de mais de, 3 mil anos atrás. Entretanto, a identificação oficial somente ocorreu em 1843 neste país.

No Brasil, a presença do bicudo só foi relatada 140 anos depois, em 1983. Em território nacional está praga encontrou condições ideais para se desenvolver, como alimento em abundância (algodoeiro) e condições climáticas ideais.

Todos estes fatores juntos levaram a decadência da atividade algodoeira em meados dos anos 1980.

Alguns especialistas da área ainda discutem a origem da introdução do bicudo em território brasileiro. Podendo este ter origem de países como os EUA, México, Venezuela ou Colômbia.

No entanto, a hipótese mais aceita pela comunidade científica até o momento, aponta para o sudoeste dos EUA. Além disso, especula-se que o bicudo tenha chegado de avião, uma vez que os primeiros focos da praga se localizaram próximos do Aeroporto de Viracopos, Campinas/SP.

Esta hipótese foi confirmada no ano de 2000, quando pesquisas científicas encontram similaridades entre o DNA de bicudos das populações brasileiras com o DNA de populações americanas.

Danos ocasionados pelo bicudo

Sem dúvida, o bicudo é a praga que mais preocupa os produtores de algodão em todo o mundo, no Brasil isso não é diferente.

Dados históricos estão aí para comprovar. De acordo com o Instituto Brasileiro do Algodão (IBA), entre os anos de 1983 e 1993, o bicudo dizimou uma fatia considerável das lavouras do país, que ao todo correspondiam a 3,5 milhões de hectares.

Seu alto potencial de dano é provocado devido ao seu hábito alimentar e reprodutivo, pois o bicudo tem preferência por botões florais e maçãs. Nas estruturas florais, o inseto se alimenta dos grãos de pólen e pétalas, além disso, pode realizar posturas nas anteras.

Sob alta condição de infestação com os bicudos, as lavouras afetadas exibem plantas de porte elevado e com poucos capulhos.

O potencial de dano do bicudo é assustador, desta forma ele pode ocasionar perdas que variam de 75 a 100% da produção, caso nenhuma medida de manejo seja adotada.

De modo geral, estima-se que sejam necessárias de 13 a 25 aplicações de inseticidas para o controle do bicudo. O que gera um custo que varia de R$ 350 a R$ 1.500 por hectare.

No fim das contas, isso pode representar de 6 a 10% dos custos de produção. Na prática, o agricultor fica sem opção, pois este ainda é um dos poucos meios eficientes para o combate do bicudo.

Ciclo de vida do bicudo

O bicudo do algodoeiro é uma praga de fácil identificação a campo, entretanto, é fundamental saber qual o seu ciclo de vida para conhecer melhor os seus hábitos de alimentação e reprodução. Uma vez que, as estratégias para o controle de pragas levam em consideração estas informações.

Um inseto adulto de bicudo é um besouro que mede, cerca de 6 mm. A sua coloração assume tons variados, que vai do pardo-acinzentado a preto. Contudo, esta coloração pode sofrer alterações de acordo com os seus hábitos alimentares e a idade.

Desta forma, nos estágios iniciais de desenvolvimento, o bicudo possuí uma coloração levemente vermelha.

De modo geral, o bicudo é encontrado com mais frequência nos botões florais localizados no terço médio do algodoeiro. Além disso, a sua locomoção é extremamente lenta e, este inseto voa raramente.

Cabe salientar também que, o bicudo apresenta preferência alimentar por maçãs mais jovens.

O bicudo ovoposita essencialmente em botões florais, flores e maçãs. Após um período de 3 a 5 dias, larvas brancas e ápodas, eclodem dentro destas estruturas. Onde permanecem por um bom período de tempo, até que concluam o seu desenvolvimento.

A temperatura é um dos fatores ambientais que mais influencia no desenvolvimento dos bicudos. Sendo assim, temperaturas variando de 25 a 33 ºC são fundamentais para o bom desenvolvimento destes insetos. Ao passo que, temperaturas abaixo de 4 ºC e acima de 40 ºC são letais aos bicudos.

 

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Por que o bicudo é tão agressivo?

Diversas características contribuem, de forma isolada ou coletiva, para a elevada agressividade do bicudo do algodoeiro em território brasileiro. Abaixo, nós elencamos algumas:

  • Capacidade de sobrevivência no período de entressafra: o bicudo é capaz de sobreviver de uma safra para outra alimentando-se do pólen e do néctar de diversas espécies vegetais. Principalmente, espécies pertencentes aos gêneros Gossypium, Hampea, Cienfuegosia, Eucalyptus e Thespesia.
  • Elevada capacidade de dispersão: apesar do bicudo não voar com muita frequência, os insetos adultos podem se locomover por vários quilômetros de distância. Isto ocorre em função da procura por alimento ou condições ambientais mais favoráveis ao seu desenvolvimento e reprodução. Estudo pioneiros relatam que o bicudo pode percorrer mais de 100 km.
  • Alto potencial reprodutivo: as fêmeas do bicudo podem ovopositar até 300 ovos por safra. Isto garante, cerca de 6 ou 7 gerações por ano.
  • Elevada taxa de sobrevivência das fases imaturas: durante o estágio larval, os insetos imaturos do bicudo permanecem dentro das estruturas reprodutivas. O que os protegem de predadores e das adversidades climáticas. Além disso, torna-se difícil o controle químico durante este período, uma vez que os produtos não atingem o interior das maças.

Estas e outras características permitiram que o bicudo se tornasse a principal praga agrícola para a cultura do algodoeiro em todo o mundo. No Brasil, este inseto encontra boas condições climáticas ao seu desenvolvimento, além diversas espécies vegetais que servem como alimento alternativo na entressafra.

Controle químico

Até o momento, a estratégia mais viável para o combate do bicudo é a aplicação de inseticidas químicos.

No entanto, de fundamental importância ter em mente que, é apenas durante a fase adulta que o inseto fica exposto a ação dos inseticidas. Visto que, durante as fases iniciais de desenvolvimento os insetos imaturos ficam protegidos dentro dos botões florais.

Os bicudos adultos localizam, frequentemente, no terço mediano das plantas, o que os torna difícil de serem combatidos pelas aplicações de inseticidas. Além disso, a maior exposição dos insetos ocorre nas horas mais quentes do dia, momento desfavorável para as aplicações, na maioria das vezes.

De acordo com o site Agrofit, do Ministério da Agricultura, estão registrados para aplicações químicas no bicudo, os seguintes produtos:

  • Antranilamida: Clorantraniliprole
  • Éter Difenílico: Etofenproxi
  • Fenilpirazol: Etiprole
  • Feniltiouréia: Diafentiurom
  • Metilcarbamato de Benzofuranila: Carbossulfano
  • Metilcarbamato de Oxima: Metomil
  • Neonicotinóide: Acetamiprido, Imidacloprido e Tiametoxam
  • Organofosforado: Malationa e Metidationa
  • Pirazol: Fipronil
  • Piretróide: Beta-ciflutrina, Beta-Cipermetrina, Bifentrina, Cipermetrina, Deltametrina, Esfenvalerato, Fenpropatrina, Gama-cialotrina, Lambda-cialotrina e Zeta-cipermetrina
  • Piridina azometina:

Historicamente, a malationa foi o inseticida mais importante para os programas de erradicação do bicudo nos EUA. A malationa é aplicada na formulação de Ultra Baixo Volume (ULV ou UBV), ou seja, pulverizações de defensivos com volumes de 5 a 15 L ha-1.

A sua aplicação se dá de forma pura ou diluído em veículo oleoso, sendo que a pulverização ocorre via aérea. Atualmente, pesquisas com produtos de ULV estão envolvendo a utilização de drones de pulverização para este serviço.

Controle biológico

O controle biológico de pragas é uma estratégia muito promissora para o manejo de diversos insetos que causam danos às lavouras. Contudo, ainda não há produtos biológicos registrados no Ministério da Agricultura brasileiro para o combate do bicudo.

Isto não quer dizer que não existam métodos de controle biológico, e sim, que não houve o registro no órgão competente até o momento.

Estudos recentes realizados no Brasil, relataram a capacidade dos parasitoides das espécies Catolaccus grandis e Bracon vulgaris, em atacar as larvas do bicudo ainda no interior dos botões florais.

O Instituto Biológico de São Paulo relata que, existem pelo menos 42 espécies de artrópodes atuando naturalmente no controle do bicudo.

Além disso, numerosos experimentos confirmam a atividade entomopatogênica de fungos, como Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliae no combate ao bicudo.

Beauveria bassiana demonstrou capacidade para colonizar ovos, larvas e adultos do bicudo. Demonstrando ser uma ferramenta extremamente eficaz em praticamente todas as fases de desenvolvimento desta praga.

Outras estratégias para o manejo do bicudo

Para complementar a ação do controle químico e biológico, diversas outras ações podem e devem ser adotadas pelos cotonicultores brasileiros para combater o bicudo. Abaixo, nós listamos algumas medidas importantes:

  • Destruição da soqueira e tiguera: após a safra do algodão é fundamental que se destruam os restos culturais, pois desta forma o bicudo não terá a sua principal fonte de alimento.
  • Adoção de variedades precoces: desta forma a produção de algodão ocorrerá um menor período de tempo, ou seja, haverá oferta de alimento para os bicudos por tempo limitado.
  • Semeadura concentrada: recomenda-se que produtores de áreas vizinhas realizem o plantio do algodão no mesmo período, pois assim evita-se a movimentação do bicudo entre áreas mais velhas para as mais novas.
  • Respeitar o vazio sanitário: compreende o período sem presença de plantas vivas de algodão na lavoura, isto significa um prazo mínimo de 60 dias. A legislação entende como plantas vivas, aquelas tigueras do algodoeiro acima do estádio V3 e soqueiras com mais de 4 folhas por broto. Na prática isto representa o prazo legal para a destruição de soqueiras e o início da germinação da nova safra. Esta estratégia de manejo tem como objetivo interromper o ciclo de reprodução do bicudo.

 

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